Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom. – Tom Jobim
Nos tornamos brasileiros… – Cazuza
Não sei se concordo totalmente com estas frases, mas existe um mistério nelas. Ser brasileiro não é trabalho fácil, ainda mais morando no exterior. Mas a verdade é que ser brasileiro no exterior implica em uma série de condições (e provações) que enfrentamos no dia-a-dia, e resolvi listar algumas abaixo.
Não se fala do Brasil nos telejornais
A não ser que seja uma notícia que cause tremendo impacto nos demais países, ou se for uma notícia muito ruim, como a da turista inglesa baleada no Rio ou a que sumiu no norte do país etc. Algumas vezes fala-se, na divisão de esportes dos telejornais, sobre algum jogador brasileiro ou, mais atualmente, sobre a copa do mundo e quem são as nações com mais chances de faturar o caneco.
Adeus arroz-com-feijão todos os dias
Se você, como eu, é (ou era) acostumado ao nosso prato mais típico, esqueça dele por aqui. Arroz é fácil de achar, visto que é um prato comum nas cozinhas de Japão, China, Paquistão e muitos outros. Agora, meu caro conterrâneo, achar feijão não é tão simples assim. Em alguns supermercados encontramos, na parte de “alimentos do mundo” alguns tipos de feijão, especialmente o feijão preto. Ou então em mercadinhos especializados no Brasil, mas que cobram uma nota pelo quilo do grão.
O jeito é se arranjar com outros grãos como grão-de-bico ou lentilha, que são fáceis de achar e custam menos.
Você vai ter o mesmo problema ao tentar achar guaraná. Apenas em restaurantes brasileiros ou portugueses.
O teclado de computador é diferente e não tem acentuação
Acostume-se ao fato de escrever palavras sem acento ou adaptando o texto pelo uso de outros termos (felizmente consegui escrever essa frase sem usar qualquer acento).
Mas “ão”, “é”, “ç” e outros, temos que “colar” de outros textos ou escrever no celular com corretor ortográfico. O que fiz foi criar um pequeno documento “.txt” com os ditongos, acentos, marcações mais comuns e vou apenas “colando” deste arquivo.
Dá trabalho, mas funciona.
Quando você diz que é brasileiro e todo mundo só fala sobre futebol
Sim, este ainda é o estereótipo do brasileiro, então muita (muita mesmo) gente vai perguntar sobre os jogos da seleção, sobre quem e como são os jogadores, o que o técnico vai usar como tática…
Não dá pra reclamar muito dessa postura porque, além do cafezinho, nosso produto mais famoso são jogadores de futebol. O samba já não tanto.
Aliás, os ingleses adoram futebol. Mesmo. Os hooligans são conhecidos pela sua violência em estádios e nas ruas (mais ou menos como algumas partes das torcidas organizadas no Brasil). Mas quando tem jogo na TV, não se escutam gritos na vizinhança ou fogos de artifício.
E sabe aquele grito entalado na goela daquele gol esperado? Não tem. Nem mesmo os locutores esportivos gritam quando sai gol. Apenas batem palmas e elogiam a qualidade técnica (ou a sorte) do jogador.
Dificilmente (e bota difícil nisso) encontra-se suco natural e fresco
Não tem. Esquece. Mesmo que o restaurante diga que é fresco, não é. Saudades daquele suco de laranja de padaria espremido na hora.
Pãozinho francês ou de sal
Outra coisa que tenho muita saudade do Brasil é o pãozinho. Quentinho então nem se fala. Aqui a gente encontra alguns pães semelhantes, que podem suprir aquela vontade, mas não é a mesma coisa.
O jeito é se virar com esse mesmo ou com pão de forma, amplamente consumido.
Se pode piorar, além do suco fresco e do pãozinho, você vai sentir falta de uma bela coxinha. Recheada com catupiry… Ok, parei por aqui. É muita sofrência.
Música brasileira no rádio
Outra coisa que praticamente não existe. Digo praticamente porque há algumas rádios de jazz que tocam um pouco de bossa nova. E isso é muito raro, mas muito bom de ouvir. Já falei em outro post aqui sobre o quanto eu gosto de rádio, e ouvir música brasileira no rádio depois de muito tempo é muito especial.
Chuva de verão (e cheiro de terra molhada)
Do momento em que chegamos aqui (em março de 2017) até o meio do mês passado, foram mais de 400 dias sem ouvir um trovão sequer. Chuvas tropicais aqui são um contrassenso. E realmente ouvir o som de um trovão na Zona Temperada do Norte é bem raro. Infelizmente. Sinto falta do som de uma chuva torrencial, bem como dos relâmpagos e trovões.
Falar português vira acontecimento
Depois de passar o dia inteiro falando (claro) inglês, você volta pra casa e reencontra sua família. Você pode falar português com eles, claro. E deve. Principalmente com crianças. Estudos comprovam que as crianças conseguem aprender o idioma local sem problemas, mesmo você mantendo sua língua materna em casa. Além do quê, falar a língua materna te traz um alívio e também descansa a cabeça.
Também reencontrar amigos brasileiros, fazer uma festa, comer uma pizza… tudo vira motivo pra você poder novamente falar português.
Ir ao cinema
Ir ao cinema, dependendo de sua fluência no idioma, pode deixar de ser uma atividade legal. Isso porque você terá que se acostumar ao fato de que não existem filmes dublados em português. E eles também são sem legenda.
Se você curte cinema europeu, os filmes serão legendados em inglês e isso ajuda um pouco.
Na TV também você pode lançar mão deste recurso, com closed captions. O closed caption permite que todos os sons do filme/documentário/programa sejam legendados – boa pedida pra aprender como dizer os sons dos animais ou onomatopeias em inglês.
***
Claro que não vivemos chorando e reclamando de saudade das coisas do Brasil, mesmo porque podemos e conseguimos adaptar essas pequenas-grandes coisas de uma maneira ou de outra.
E afinal de contas, algumas outras coisas compensam a ausência das primeiras.
Por exemplo, andar sem preocupações de assalto, sequestro, bala perdida ou algo assim que é tão corriqueiro numa cidade como São Paulo. Ou se alegrar ao ver a primeira abelha voando depois de um longo e rigoroso inverno. Ou perceber que, apesar de maluca, Londres funciona. E bem.
Talvez realmente Tom Jobim tenha razão. E também Cazuza. E Tim Maia. Renato Russo, os Caymmis e por aí vai….
Gosto muito de ler os posts. Sempre viajo nas lembranças do tempo que vivi por essas bandas. Parabéns Camila e Rodrigo.
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