Ser professora no Reino Unido

Eu sempre soube histórias de imigrantes que saíram cedo do Brasil para tentar uma outra vida. Dentro da nossa família temos 3 grandes exemplos de pessoas que mudaram de país na faixa dos 20 anos para tentar a vida num outro lugar.

Ao meu ver existem alguns pontos negativos nesse deslocamento tão precoce. Chegar sem a maturidade esperada para uma mudança que se mostra violenta muitas vezes, chegar sem grana e passar MUITO aperreio em cidades cosmopolitas que te engolem, chegar sem dominar o idioma e ter que comer muito “arroz e feijão” para conseguir um lugar ao sol, além de um outro ponto que é o foco da minha reflexão de hoje: não ter profissão e fazer de tudo um pouco para conseguir fechar o mês no azul.

Todos os exemplos acima não fizeram parte do nosso processo de mudança. Chegamos aqui na faixa dos 30 e 40. Chegamos maduros, com um bom planejamento financeiro para o primeiro ano, dominando o idioma e com carreiras sólidas. Eu na Educação, ele na Aviação.

“Ufa, temos tudo para dar certo”.

E foi justamente nesse suspiro de alívio que percebi que as coisas não seriam bem assim…

Assim que cheguei, validei meus anos de estudos com o NARIC (que é o órgão que analisa se o que você estudou pode ser utilizado aqui – mais informações aqui: NARIC). Se eles dissessem que o que estudei no Brasil era válido aqui também poderia lecionar sem maiores problemas. E foi o que aconteceu.

Dentro da Educação há uma classificação de 1 a 7. Minha validação era nível 6. Tomei até um susto quando abri o envelope. Vaidade a parte fiquei realmente tranquila com a possibilidade de dar aulas no Reino Unido. Trilhar um caminho tranquilo fazendo aquilo que gosto e tenho experiência.

De posse dos meus documentos (em português e em inglês), currículo traduzido para o inglês e LinkedIn atualizado, comecei a aplicar para alguns trabalhos.

É importante salientar o quanto o LinkedIn é uma ferramenta útil para a busca de empregos por aqui. Muitos dos meus colegas de profissão no Brasil não possuem perfil nessa rede, por exemplo. Já aqui no Reino Unido muitos recrutadores nos encontram e oferecem oportunidades de emprego. Inclusive, em algumas profissões esses contatos podem acontecer quando você ainda estiver no Brasil. Tudo depende o que você faz e da demanda por mão de obra aqui.

Para saber mais sobre isso, acesse o site do governo onde estão publicadas as licenças das empresas aptas a oferecer visto de trabalho: Visto de trabalho para o Reino Unido

Ter um perfil atualizado no LinkedIn pode aumentar suas chances de conseguir um trabalho.

Utilizando o reed, indeed, glassdoor e o cvlibrary– Todos sites de busca de emprego bastante populares por aqui – passei a aplicar para algumas vagas de trabalho.

Em 20 dias já tinha agendadas as minhas primeiras entrevistas em algumas escolas de educação infantil (aqui privadas e chamadas de nurseries).

Lá fui eu… o meu inglês não era aqueles, mas consegui me comunicar e contar um pouco da minha experiência no Brasil.

Ao longo das entrevistas fui descobrindo coisas que ainda deveria correr atrás antes de ser admitida professora aqui:

⁃ a primeira coisa que eles querem ver e checar é seu passaporte;

⁃ Já na entrevista eles perguntam o número do seu National Insureance Number. Tenha em mãos!

⁃ DBS (disclosure and barring service): o atestado de antecedentes criminais daqui. Tem validade variável de acordo com quem te solicitou;

⁃ Atestado de antecedentes criminais- que você pode conseguir no site da polícia federal brasileira: http://www.pf.gov.br/servicos-pf/antecedentes-criminais ;

⁃ Duas referências profissionais – geralmente e-mails de seus antigos chefes. Tem aí um problema: e se seu chefe não fala inglês?

⁃ Alguns empregadores solicitam, também, uma referência pessoal que pode ser um colega de faculdade, por exemplo;

⁃ além disso, será uma grande diferencial se você tiver feito cursos de primeiros socorros e safe guarding, mas muitas escolas te oferecem o curso logo nas primeiras semanas de trabalho;

Como se não bastassem os documentos solicitados acima há ainda muitas outras etapas para ser admitido professor.

Todo o sistema de ensino infantil no Reino Unido é baseado em um documento chamado Early Years Foundation Stage que nada mais é que um manual de como as escolas devem seguir. (Mais sobre isso aqui: www.foundationyears.org.uk/eyfs-statutory-framework/ )

Aí começam os ‘problemas’. Como falar com propriedade de um sistema de ensino que você mal conhece? Difícil. Mesmo que você estude, leia os guidance notes disponíveis na internet há algo intrínseco à profissão docente: a prática. Não há como falar de um sistema de ensino sem vivê-lo.

Essas são as sete áreas do EYFS que você deve dominar para ser apto a se tornar professor por aqui.

Em uma rápida pesquisa no Google utilizando as palavras “childcare+education+London+jobs” apareceram 234 mil vagas na pesquisa! Duzentos e trinta e quatro mil vagas.

Essa pesquisa rápida foi feita no aplicativo do Reed.

Em outras palavras: há emprego para todo mundo que quiser trabalhar.

Mas trabalhar com educação é algo muito específico culturalmente falando. Escola aqui não é a mesma coisa que uma escola no Brasil, que não é a mesma coisa que uma escola na Itália… e ter professores de várias nacionalidades diferentes faz com que o ensino aqui vire uma grande reunião da ONU, embora o EYFS esteja presente para dar uma unificada nisso tudo.

Em minha primeira experiência aqui, trabalhei numa sala de educação infantil com crianças de 5 anos (pre schoolers). Nesse grupo tínhamos como professoras: eu, brasileira, uma paraguaia, uma paquistanesa, uma venezuelana, duas italianas, uma etíope, uma srilankesa e uma irlandesa. Consegue imaginar como era a rotina?

Exemplo de uma sala de nursery

Nao é tarefa das mais simples…mesmo!

Além disso, em geral os professores são mal renumerados (novidade, né?) e trabalham longas jornadas nessas escolas, em torno de 44 horas semanais. Em poucos meses me senti frustrada e com uma sensação de que não gostaria mais de fazer aquilo. Logo eu… que nunca me vi fazendo outra coisa que não fosse dar aula!

Convite de entrevista que recebi hoje: 45h semanais por 52 semanas.

Há sim bons empregos e bons salários nessa área, mas ao meu ver não é tão simples assim um imigrante fazer parte desse nicho. Na escola da Edda, por exemplo, 90% dos professores são ingleses. Bem diferente da nursery que trabalhei…

Ao longo desse primeiro ano pesquisei e refleti muito sobre dar continuidade à minha carreira como professora por aqui, mas ainda não consegui me decidir se é isso o que eu realmente quero.

Todos os dias recebo por volta de 20 e-mails com novas vagas em Educação.

Com uma mudança de vida tão grande pude pensar também numa mudança intensa daquilo que sou. Talvez “professora” seja um termo que não me cabe mais. Ao menos por enquanto. Ao menos enquanto eu não encontre um fazer educação que vá de encontro às minhas ideologias….

Eu acredito que deve existir muitos pensares sobre a educação por aqui. Afinal de contas, numa cidade onde são faladas aproximadamente 300 línguas (segundo a BBC) devemos pensar a educação de forma plural e interligada. Há algumas escolas Waldorf espalhadas pelos quatro cantos da cidade, há as escolas secundárias com suas intimidades de questões, há os colleges, as universidades…

Mais um dado sobre o ensino aqui: 93% das escolas são públicas.

Um outro ponto que pode ser um grande diferencial é sua segunda língua. Muitas escolhas procuram professores assistentes bilíngues para auxiliar alunos recém chegados. Como nesse email que recebi:

Nesse caso, saber falar Swahili ou Kikuyu é o grande diferencial.

E esteja preparado para responder a mesma perguntar trocentas milhões de vezes:

– Are you elegible to work in the UK?

Enquanto isso vou seguindo, aprendendo, observando e escolhendo com cautela qual pode ser o meu lugar aqui. Construir um futuro mais justo é algo que demanda muito esforço, atenção e persistência. Aqui ou lá.

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6 comentários em “Ser professora no Reino Unido

  1. Camila muito obrigado, mas assim… Muitíssimo obrigado mesmo! Cheguei em Londres faz uma semana, não conheço ninguém aqui e poder ler esse tipo de informação com a sua experiência pessoal ajuda muito. Eu vim para morar, quero ficar aqui de vez, gosto da cidade, da multiculturalidade de Londres, mas vim também com o objetivo de fazer o Phd no King’s college, mas como não sou rico preciso trabalhar para me manter aqui. Está sendo um pouco complicado entender todos os procedimentos necessários, me graduei em comunicação social e direito no Brasil e fiz o mestrado em ciência política, mas não estou entendendo bem se para conseguir ser professor eu preciso de experiência – no Brasil só dei aula como atividade do próprio mestrado – enfim, qualquer luz que você puder me dar será muito bem vinda, abraço e feliz Natal xD

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    1. Ricardo, fico feliz que o texto tenha de alguma forma te ajudado a compreender um pouco o sistema por aqui. Estou com um texto rascunhado onde tento explicar a complexidade dos processos educativos aqui, principalmente em relação às (altas) taxas que temos que pagar. Te desejo muito sucesso em sua empreitada e vamos aprender juntos! Boa sorte

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  2. Olá Camila, tudo bem? Obrigada pelo seu posto. Eu realmente estava precisando de informações sobre como ser professoa em Londres. Cheguei em Londres ano passado, e ainda estou concluindo o curso de inglês por aqui. No Brasil trabalhava com crianças,tenho mais de dez anos de experiência. Mas confesso que depois que cheguei aqui fiquei balançada em buscar outra profissão. Na verdade desde o Brasil já pensava em outra carreira. Assim como você ainda estou pesquisando e refletindo muito sobre a minha carreira. Grata, Tati.

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