Quando perguntam ao meu avô quantos anos ele tinha quando foi morar no Brasil ele responde: “eu nunca vim morar no Brasil, me trouxeram”.
A piadinha de um senhorzinho veneziano de 70 e poucos anos diz respeito à maior mudança de sua vida e talvez a única que ele não tenha escolhido: mudar de país.
Embarcando aos 14 anos no porto de Gênova e anexo ao passaporte de sua mãe, Virginia, chegou em São Paulo sem sequer saber agradecer em português.
Hoje, quase 70 anos depois, são suas bisnetas que são trazidas para o velho continente sem imaginarem o que será da vida delas.
Assim como meus antepassados, o que me trouxe até aqui foi a fuga de uma política de estado que discordo e a sensação de se matar-um-leão-por-dia em uma cidade que sugava tanto de nós.
Meu avô já não está o mesmo homem lúcido que foi desde que me conheço por gente, mas ele sabe lá no fundo que os motivos foram os mesmos. Meus e da minha bisavó. A grande roda da vida, a História que se repete…
A vida vai seguindo com um novo idioma, uma nova forma – completamente nova – de se relacionar com a Natureza, amigos que trazem histórias e lembranças tão profundas como a nossa.
Enquanto a vida sem legenda acontece, fico me perguntando como trazer a essência do que somos às minhas duas passarinheiras de mundo?
Como explicar o que é uma festa de São João, estando tão distante para vivê-la? O feriado prolongado lá não é o mesmo daqui (sempre às segundas-feiras…), a comida é outra, as cantigas de roda, as brincadeiras de rua…
O que fica? O que é importante ficar? O que é imprescindível?
Ainda ontem conversava com mais uma mãe no parquinho perto de casa. Ela, afegã, muçulmana, refugiada, criando os filhos longe da pátria-mãe, num esforço enorme para que seus filhos falassem pashto (e assim pudessem conversar com os avós…). Tanto que nos separa, tanto também que nos une…
O mundo é do tamanho dos nossos sonhos. E eu, sinceramente, não sabia que eu sonhava tanto…